3 ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM IA NO AMBIENTE EDUCACIONAL

Márcio Carneiro dos Santos
7 min readMar 24, 2023
Imagem gerada usando a plataforma de IAG Midjourney

Com o crescente interesse das pessoas, das organizações e da mídia em plataformas e soluções de inteligência artificial generativa ou gerativa (IAG), o ecossistema educacional, formado por instituições de ensino em seus diversos níveis, profissionais da educação e órgãos públicos ligados ao tema entrou em estado de alerta e começou a discutir os impactos dessa nova tecnologia.

Se você não sabe o que é IAG, talvez esse livro que escrevi, como um experimento, a quatro mãos com o robô mais famoso dos dias atuais, o ChatGPT, seja útil. Este outro, infantil, que tem texto totalmente meu (ChatGPT não passou nem perto) mas no qual todas as ilustrações foram feitas usando Midjourney, também te ajudará a entender a extensão do que estamos falando.

Experimento de redação de livro usando CHATGPT

De forma bem simples, a IAG é a recente subárea da tecnologia que trabalha para simular a própria criatividade humana, gerando, entre outras coisas, textos e imagens que podem ser usados em diversos cenários, entre eles a educação.

O ponto mais polêmico relacionado a este uso atinge uma das funções mais essenciais do processo educacional: a avaliação. O temor de uma enxurrada de textos escritos a duas mãos ( do robô ) em trabalhos, provas e atividades feitas por alunos, sejam eles crianças do ensino fundamental ou discentes de um programa de pós, é crescente.

Palestras e eventos sobre isso estão pipocando em todo o mundo, não apenas aqui no Brasil. Abaixo vou listar dois dos quais participei recentemente, um como palestrante da aula inaugural do calendário de todos os programas de pós da minha universidade e outro conversando com especialistas na área, a convite da FGV. Neles detalho o meu pensamento , caso esteja interessado.

Como o assunto é extenso e dá muito o que conversar, vou resumir aqui as três formas de lidar com ele, lembrando que não é de agora que IA gera discussões bem além do estritamente técnico ou tecnológico, impactando também questões éticas, legais, econômicas, ligadas à empregabilidade, entre outras.

Para quem ouviu falar disso há pouco tempo, apesar de toda a novidade aparente, IA, nas suas áreas de origem, tem décadas de sólido desenvolvimento e representa um grande guarda-chuva de possibilidades, com coisas que já existem na sua vida, como as caixas de detecção de spam ou os algoritmos de recomendação que te sugerem algum produto quando você retorna ao seu site de e-commerce predileto ou o filme lançamento na sua plataforma de streaming.

A diferença agora é que um conjunto de eventos iniciados no final do ano passado gerou uma espécie de aceleração, numa guerra antiga mas até então comportada, pela permanência na série A do campeonato dos grandes players da tecnologia. Uma espécie de Champions League onde muitos poucos times jogam. E a maioria deles você conhece. Nesta nova fase, o campo de batalha já foi definido e se chama inteligência artificial. Se quiser saber mais detalhes sobre essa história aí tem que assistir os vídeos, se não, tudo bem, vamos direto ao ponto.

As três estratégias que observo aqui, de forma apenas pedagógica, num esforço de organizar a resistência dos humanos diante da novidade😂😂 😂( e observe que não estou recomendando nenhuma delas em particular) estão sendo aplicadas de acordo com o contexto de utilização e dos utilizadores e , na minha opinião , podem ser implementadas até em conjunto, com pesos ou intensidades diferentes, dependendo da situação. São elas :

Detectar e Conter

Observar e Aprender

Usar e Expandir

1- DETECTAR E CONTER

Esta foi a estratégia escolhida, por exemplo, pelo sistema de ensino de Nova York , com mais de mil escolas e um milhão de alunos, bem como algumas universidades australianas e de outros países. É bem simples. Nesses lugares, CHATGPT , até segunda ordem, está banido, não pode ser usado e quem o fizer toma puxão de orelha ou coisa pior.

Particularmente entendo que esta é um estratégia difícil de implementar, a não ser por decisões institucionais mais amplas, como as que estou citando acima. No varejo, ou seja, se cada professor tiver que inserir nas suas rotinas a caça aos textos gerados integralmente por computador, provavelmente transformará sua vida num inferno.

Inicialmente porque, para fazer isso, terá que, na maioria dos casos, usar outra ferramenta de IA para dedurar o CHATGPT. Há muitas ferramentas para isso, como GPTZero, e basta procurar no Google (por sinal, um dos times da Champions mais incomodado com o CHATGPT) que outras aparecerão.

A própria OPENAI , criadora do bot sucesso do momento, oferece uma ferramenta de detecção. O problema é que, pelo que vi até agora, o desenvolvimento da IA que está sendo caçada é mais rápido do que o da IA dos caçadores, então parece ser uma corrida fadada ao sucesso, no máximo, parcial, com resultados nem sempre definitivos e que, inclusive, podem estar errados. Quem já testou algumas dessas ferramentas sabe.

Gráfico com os avanços da versão nova do modelo de geração de textos que equipa o CHATGPT, em relação a versão anterior, em diversos testes. A evolução entre versões aconteceu em cerca de quatro meses, indicando uma velocidade de implementação de melhorias muito rápida.

De qualquer forma, Detectar e Conter, na minha opinião, pode ser a alternativa temporária mais sensata, principalmente no ensino fundamental, por exemplo, onde esse contato com a IAG deverá ser feito de forma muito mais planejada e responsável, a partir de um conhecimento mais profundo sobre os efeitos disso junto a humanos em formação; o que efetivamente ainda não temos.

Mesmo assim, uso o termo temporária porque, mais cedo ou mais tarde, a IAG vai chegar a esses ambientes (em muitos já chegou) e simplesmente proibir poderá ter o efeito contrário, motivando utilização indevida e danos, justamente por falta de informação e conhecimento, itens que estão na lista das coisas que uma escola e a educação que oferece devem prover.

Se mesmo assim, decidir que essa estratégia é melhor para você, na minha palestra acima cito alguns procedimentos que pode utilizar para implementá-la. Não caçando o CHATGPT, mas usando suas limitações para desestimular ou inviabilizar seu uso em alguns cenários.

2- OBSERVAR E APRENDER

Mesmo que não entenda direito, não goste da ideia ou até seja contra, é bom lembrar que simplesmente dar as costas ou ignorar a IAG não vai fazê-la sumir do planeta ou deixar de impactar as pessoas.

Pelo contrário, a falta do olhar crítico e mais sistemático, só vai dar margem a todo tipo de bobagem, ignorância ou desinformação sobre ela. A internet está cheia disso, passando por fórmulas para ficar milionário usando IA, cursos que não valem grande coisa e gente (inclusive da academia) que usou só de brincadeira ou de forma bem superficial e já saiu postando aulas, descrições e informações, cheias de erros e enganos, voluntários ou não.

É por isso que Observar e Aprender, na maioria dos casos me parece interessante, até porque, buscando informações em fontes confiáveis e realmente aprendendo sobre IAG, você provavelmente vai conseguir usá-la de algum modo, do jeito certo, ou seja, como um assistente e não como algo que não precise mais de supervisão e conhecimento humanos; o que seria um grande engano.

3- USAR E EXPANDIR

Já há casos de professores que levaram o CHATGPT para dentro das salas de aula. Principalmente no ensino da pós-graduação, quando lidamos com gente que já tem (ou deveria ter) um nível de formação e informação mais evoluído.

Há relatos em que o aluno foi, ao contrário da primeira estratégia, incentivado a usar a ferramenta e avaliado pelo grau de conhecimento que apresentou ao fazê-lo. É a ideia do conjunto de competências que chamo (e ensino) de prompt design, que está relacionado às técnicas e ao conhecimento sobre como essas ferramentas funcionam e, com isso, o que fazer para conseguir resultados mais profissionais e assertivos, através do input de texto que se dá para elas, com a descrição do que se quer: o prompt.

Exemplo de lista de prompts com mais de 130 funções diferentes que organizamos, através do trabalho de vários desenvolvedores, e usamos apenas como referência para edição e aperfeiçoamento, em nossas oficinas de formação em Prompt Design.

Em outros a mesma atividade é pedida, com e sem o robô, para depois fomentar discussões e aprofundamento sobre a experiência.

Ontem dei minha primeira aula do semestre na disciplina de Laboratório de Webjornalismo e anteontem comecei uma disciplina na pós chamada Tópicos em Comunicação e Tecnologia. Nas duas pretendo inserir alguma coisa sobre IAG.

Na primeira por entender que, ao formar recursos humanos numa área já tão impactada pela tecnologia, mandar novos jornalistas para o mercado sem isso pode afetar, num futuro muito próximo, as chances de empregabilidade da maioria deles.

Na segunda , formando pesquisadores, acho que excluir isso e não ensinar o que ferramentas tipo CHATGPT podem fazer, principalmente não com geração, mas com análise de texto, usando suas habilidades em processamento de linguagem natural, seria uma perda lastimável.

Como falei no início, cada contexto pede um tipo de abordagem e talvez seja justamente a habilidade de lidar com cenários e situações com grande variabilidade, ou seja, contextos diferentes, o que ainda nos dê alguma vantagem no relacionamento com robôs.

Nos processos repetitivos e mais rígidos, onde a próxima palavra na frase pode ser conseguida apenas com um cálculo de probabilidades, não temos muita chance e não vejo nenhum problema nisso.

Até porque o resultado, sem um desenho de prompt mais elaborado, será genérico e muito parecido, entre o que o CHATGPT entrega toda hora para muitas pessoas que não sabem usá-lo direito. Também nada muito diferente de textos humanos sem inspiração.

No livro infantil no qual usei apenas ilustrações usando IAG (não sei desenhar nada) , o texto foi todo meu, porque o escrevi para minha neta , Júlia.

Um robô pode até simular algo desse tipo, mas está longe ainda de entender como representar em palavras uma coisa que, em tese, não precisa nem ser dita, apenas vivida: o amor.

Página interna do livro com as ilustrações criadas usando Midjourney
Capa do livro que conta a história da menina que, durante uma tempestade, é levada para um mundo imaginário pelo avô, para se divertir e brincar enquanto a chuva passa.

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Márcio Carneiro dos Santos

Professor do programa de Pós em Comunicação Profissional da UFMA. Coordenador do LABCOM. Publicações sobre Design Science, IAG e Jornalismo Digital.