Mestrados Profissionais na Área da Comunicação.
4 dicas para definir seu projeto de pesquisa.
Recentemente iniciamos na UFMA nosso programa de mestrado profissional na área da Comunicação. Tem sido um processo de aprendizado constante onde o corpo docente e os discentes da primeira turma têm trabalhado muito para construir algo consistente a partir das duas linhas de pesquisa que criamos, uma focada na comunicação organizacional e a outra no jornalismo convergente e de inovação.
Entre as questões mais comuns, as dúvidas relacionadas à ideia de criar um produto e desenvolver um projeto específico para um mestrado do tipo profissional parecem ser as mais frequentes, não apenas no nosso programa mais em outros também.
Pensando em colaborar com a apresentação de soluções possíveis, resolvi consolidar nesse texto algumas premissas que tenho desenvolvido não só no meu trabalho de orientador, mas também em conversas com vários alunos que tem me procurado para compartilhar suas incertezas sobre o tema. É importante ressaltar que o que proponho não representa um pensamento consolidado dentro do corpo docente do nosso mestrado e nem se apresenta como solução definitiva. Como um caminho, ele apenas propõe um percurso que traz uma sinalização para guiar o viajante, com indicações e informações que podem ter utilidade.
Para quem não conhece o meu trabalho, há 10 anos coordeno o LABCOM -Laboratório de Convergência de Mídias onde desenvolvemos projetos na fronteira entre a comunicação e a tecnologia, num esforço interdisciplinar de diálogo com outras áreas de conhecimento como o Design, a Computação e a Ciência de Dados. Antes de entrar na universidade passei cerca de 20 anos atuando como profissional independente, tendo meu próprio negócio na área do audiovisual e oferecendo consultoria para outros. Hoje, na UFMA e no campo da Comunicação, desenvolvo pesquisa aplicada em projetos orientados à utilização de tecnologias emergentes no processo de produção do jornalismo e na difusão dos Métodos Digitais e da Design Science no meio acadêmico nacional.
- CONHEÇA O QUE A CAPES FALA SOBRE MESTRADOS PROFISSIONAIS
Antes de qualquer coisa, o primeiro passo que recomendo a quem queira discutir essa questão é meio óbvio, entretanto, muitas vezes esquecido: consultar o documento de área da CAPES para Comunicação e Informação. Nele é possível tanto encontrar considerações gerais sobre as tendências e o estado da arte do setor, bem como indicações mais específicas para os mestrados profissionais. Num resumo simplificado do que o documento destaca para toda a área, seguem alguns tópicos.
- Centralidade da Comunicação na Sociedade Contemporânea
- Volume de Dados no Ambiente Digital Gerando Novos Desafios de Pesquisa
- Transformações Tecnológicas , Sociais e Econômicas
- Crescimento Rápido dos Programas Profissionais da Área. Em Comunicação saímos de 1 em 2013 para 10 em 2018
- Interdisciplinaridade — “No âmbito dos programas é fundamental fomentar e implementar ações voltadas ao diálogo com outros campos científicos…”
- Necessidade de orientação à inovação e à criatividade
- Inclusão de temas como Big Data entre as novas fronteiras de pesquisa, incluindo grandes volumes de dados, visualização, métricas e ciência de dados (descobri, no documento, que meu trabalho, por mais estranhamento que ainda cause, tem um lugar na nossa área :)
A pós-graduação stricto sensu, nas modalidades de mestrado e doutorado profissionais, prima pela formação de profissionais qualificados para o exercício da prática profissional, visando ao atendimento das demandas sociais, organizacionais ou profissionais e do mercado de trabalho; à produção e aplicação de conhecimentos para a sociedade; à adequação da formação profissional a diferentes tipos de entidades. Ela objetiva melhorar a eficácia e a eficiência das organizações públicas e privadas por meio da solução de problemas, da geração de processos de inovação e transformação social, contribuindo para agregar competitividade e ampliar a produtividade (CAPES, 2018, pag. 16–17).
Sobre o produto final a ser apresentado o documento oferece duas possibilidades :
A formação profissional caracteriza-se pela produção de pesquisas aplicadas por meio do desenvolvimento de produtos. Recomenda-se para produto final de programas profissionais: relatório técnico-científico seguido de produto; dissertação agregada com a formulação de um produto (CAPES, 2018, pag. 17).
Como exemplos do que pode ser entregue :
. Patentes e registros de propriedade intelectual e de softwares, inclusive depósito de software livre em repositório reconhecido ou obtenção de licenças alternativas ou flexíveis para produção intelectual, desde que demonstrado o uso pela comunidade acadêmica ou pelo setor produtivo;
. Desenvolvimento de aplicativos e materiais didáticos e instrucionais e de produtos, processos e técnicas;
. Produção de programas de mídia;
. Editoria; composições e concertos;
. Relatórios conclusivos de pesquisa aplicada;
. Manuais de operação técnica, protocolo experimental ou de aplicação ou adequação tecnológica;
. Protótipos para desenvolvimento de equipamentos e produtos específicos;
. Projetos de inovação tecnológica;
. Produção artística;
. Manuais, guias, cartilhas e tutoriais; outros formatos, de acordo com a natureza da área e a finalidade do curso (CAPES, 2018, pag. 17).
A QUESTÃO DO ENQUADRAMENTO NUM AMPLO ESPECTRO DE POSSIBILIDADES
A principal característica do caminho que proponho é que a validação do que se estiver pensando em fazer não deve se dar apenas pela inclusão ou não de um desses termos, no texto do projeto que o aluno pretende desenvolver. Explico: você pode produzir um programa de mídia, um vídeo, por exemplo, que pode ser considerado um produto válido para um mestrado profissional mas também pode fazer um audiovisual que propõe questões teóricas ou puramente acadêmicas ou estéticas que só fala e oferece compreensão aos pares, num diálogo restrito, só compreensível para a comunidade interna da universidade. Nesse caso, na minha opinião, esse produto não está alinhado ao que se espera de um mestrado profissional. E por que estou dizendo isso?
2. PROCURE O PROBLEMA, MAS NÃO ESQUEÇA DOS BENEFICIADOS PELA SOLUÇÃO
Basta ler o documento de área para entender que uma das características centrais da produção de um mestrado profissional é que ele deve ser orientado à solução de problemas reais e isso implica em não apenas definir um problema e procurar soluções, mas também estabelecer uma comunidade ou grupo de possíveis beneficiários do produto que você estiver propondo. Assim não é o tipo de produto a ou b que vai fazer o enquadramento, nem apenas a sua vontade ou interesse em trabalhar com isso ou aquilo; tudo isso conta, mas é a essência da origem do projeto, numa situação que necessita de melhorias ou até de algo totalmente novo, que vai alinhar o que você vai fazer com a ideia básica de um produto gestado num programa profissional.
Resumindo: você tem que partir de um problema claramente definido que incomoda alguém, já que é esse alguém que possivelmente vai validar a sua solução. Você não faz para você, por diletantismo ou porque precisa fazer algo. Você faz para o outro, você estabelece uma ponte entre a academia e a comunidade externa à universidade (um mantra muito repetido, mas pouco praticado), gerando de diversas formas uma das métricas fundamentais na avaliação de todos os programas de pós e, principalmente, os profissionais: o impacto social.
3. VOCÊ NÃO PRECISA REINVENTAR A RODA
Outra questão que assusta os alunos é imaginar que precisam criar algo totalmente novo. Nada mais errado.
Na literatura sobre inovação existem duas categorias básicas: a inovação disruptiva e a inovação incremental. A primeira muda o mundo, gera produtos totalmente inéditos, novos mercados, altera modelos de negócio consolidados. Exemplo: o streaming e o mercado digital do audiovisual, com produtos como Spotify ou Netflix. Isso é sensacional, contudo, é cada vez mais difícil pensar em algo que ninguém nunca pensou e criar um produto ou serviço totalmente novo.
99% da inovações são incrementais, ou seja, se constituem de conjuntos de melhorias sobre coisas que já existem. É nesse território onde podemos operar, desde que dediquemos todos os nossos esforços não apenas a entender o que já existe, como funciona, onde poderia melhorar , mas também em entender isso pelos olhos dos que efetivamente estão no contexto de utilização. Assim, a partir do entendimento profundo sobre o problema e dos que o vivenciam, podemos nos credenciar a propor soluções. Nos termos da Design Science, operamos a partir de uma classe de problemas e propomos um artefato. O documento da CAPES é claro ao definir que o projeto constitui-se num esforço de pesquisa aplicada, ou seja, que tenha aplicabilidade, que possa ser utilizado por alguém além de nós mesmos, caso não tenha pensado nisso ainda. Se quiser saber mais sobre Design Science e Pesquisa Aplicada leia esse texto.
4. AVALIE O POTENCIAL DE ADOÇÃO E APLICABILIDADE
Um dos motivos da dificuldade dos alunos da Comunicação no design dos seus projetos é que nossa área, por questões históricas, entre outras, tem fortes ligações com as Humanidades, onde se é treinado basicamente para descrever, analisar e interpretar.
Um dos desafios atuais que já está nas entrelinhas do que se espera para o futuro da Comunicação enquanto ciência é que, além dessas funções essenciais (é importante ressaltar) deve-se agora, também, incluir habilidades de predição e prescrição, ou seja, evoluir de um fazer, as vezes, meramente constatatório, para uma atividade mais orientada ao impacto social dos seus achados.
Sendo assim, inclua no seu projeto, sempre que possível, considerações sobre o potencial de adoção e aplicabilidade do que está propondo. Esse é um exercício importante que vai te ajudar a entender melhor onde está se metendo. Se você imagina soluções legais que só podem ser testadas em corporações globais ou com enormes injeções de dinheiro, talvez esteja fantasiando demais e esquecendo de novo que seu trabalho tem que resolver o problema de alguém. Se não puder nem chegar perto de aproximar solução e usuário, como vai saber se está no caminho certo? Talvez você não esteja vendo um grande conjunto de problemas mais próximos de você, onde a aplicabilidade e o potencial de adoção serão muito maiores e onde terá condições de se aprofundar para entender o contexto envolvido e, assim, se qualificar para propor melhorias ou reconfigurações no que já existe.
Para finalizar, gostaria de dizer que se o que vai fazer no seu mestrado profissional for um programa de mídia de treinamento, um workshop instrucional, a proposição de um conjunto de melhorias para determinado processo, um diagnóstico que vai ajudar uma organização a entender o que pode fazer melhor, isso já é um bom começo, independente do nome que vai dar ou se está em alguma lista pré-determinada ou não. Se a sua proposta puder ser testada, mesmo que em forma provisória ou incompleta pelos possíveis usuários, melhor ainda.
Por fim, se , eventualmente, ela for considerada para adoção ou teste por aqueles que você pensou em ajudar, ou até por quem você não imaginou de início, garanto que a sensação de oferecer algo que pode ser útil aos outros e ver em funcionamento vai te deixar feliz. Até porque, com certeza, terá concluído seu mestrado profissional e estará, talvez, pensando em vôos maiores, como nós, docentes, companheiros de viagem nessa jornada.
Márcio Carneiro dos Santos é doutor pelo programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP. Professor permanente dos programas de Pós Graduação em Comunicação ( Profissional) e Design ( Acadêmico ) da UFMA. Coordenador do LABCOM. Prêmio Adelmo Genro Filho da SBPJor 2018 na categoria Pesquisa Aplicada.