Roteiro para o design de projetos orientados a produtos

Márcio Carneiro dos Santos
7 min readJan 26, 2021

Ferramenta de planejamento estratégico para utilização em programas profissionais de Comunicação e áreas afins.

Há algum tempo atrás publiquei, aqui mesmo na plataforma Medium, material cujo objetivo era orientar pessoas interessadas em desenvolver projetos para mestrados profissionais na área da Comunicação.

Como existe pouco material sobre isso, naquele momento, imaginei fazer um texto detalhando as especificidades desse tipo de programa de pós-graduação , com base no próprio documento de área da Capes para Comunicação e Informação, que traz bastante subsídios para ajudar a caracterizar melhor um projeto destinado a um curso stricto sensu do tipo profissional.

Nesse novo texto, vou tentar construir uma espécie de segunda parte, uma continuação, num nível maior de detalhamento, apresentando uma ferramenta específica para ser utilizada durante o processo de desenhar um produto para área de Comunicação.

Essa ferramenta, no formato de um roteiro ou questionário a ser preenchido, desenvolvi e apliquei na disciplina de Tópicos em Comunicação Digital , que ministrei no final de 2020, no programa de Comunicação Profissional da UFMA. Através dela, os alunos puderam refletir e considerar um conjunto mais completo, mais detalhado de questões, dentro do processo de construir uma proposta de produto, numa espécie de exercício de auto análise.

É importante lembrar que a nossa área tem uma tradição mais próxima das Humanidades e das Ciências Sociais sendo, por isso, muito mais ligada às atividades de descrição e interpretação e muito pouco direcionada para as atividades de prescrição e proposição, quando comparada a outras áreas afins, como o Design, por exemplo.

Outra observação é que, dentro do roteiro existem algumas poucas questões ligadas a uma bibliografia específica que apresentei na disciplina sobre a proposta epistemológica da Design Science, que é o caminho que utilizo para o meu trabalho, bem como alguma coisa ligada à Difusão de Inovações, área da Sociologia que considero útil, basicamente porque nos ajuda a pensar com orientação aos possíveis usuários e ao processo de adoção e menos ao próprio umbigo, erro comum neste tipo de jornada. Um resumo desse material baseado em publicações que fiz anteriormente está no link abaixo.

As questões do roteiro, que endereçam especificamente esses tópicos, podem ser tranquilamente excluídas se você assim decidir. O próprio roteiro como um todo pode ser adaptado de acordo com cada contexto de utilização. Além dos temas citados, a proposta também utiliza ferramentas bastante conhecidas do planejamento estratégico como a análise do ambiente externo, a avaliação de concorrência e a matriz SWOT.

Por fim, é importante que fique claro que essa proposta, como também está explícito no texto anterior, não representa a orientação ou entendimento oficial do programa de Mestrado Profissional em Comunicação da UFMA. É uma visão particular de alguém que tem seguido um caminho orientado à pesquisa aplicada e, consequentemente, ao desenvolvimento de produtos. A ferramenta representa um resumo dessa experiência anterior que tentei consolidar no conjunto de questões do roteiro, com o intuito de guiar o design de soluções para o enfrentamento de problemas reais na nossa área, sendo uma colaboração que quero compartilhar .

Detalhamento e Comentários

Seguem abaixo algumas considerações, caso deseje utilizar o roteiro, seja no desenvolvimento de um projeto particular ou em disciplinas onde possa ser útil ou ainda como avaliador ou orientador que precisa acompanhar uma proposição com essas características. Essa parte tem leitura opcional.

A ferramenta se subdivide em partes, sendo a primeira ligada às premissas da proposta, ou seja, tenta-se estabelecer ou recuperar a essência da ideia original do desenvolvedor, fazendo com que revise os objetivos do seu projeto, sua temática e o produto que está sendo proposto para ser associado ao mesmo.

Este último aspecto é uma característica dos programas profissionais, ou seja, o desenvolvimento de pesquisa aplicada, com orientação à solução de problemas reais. Assim, nesse primeira parte, a ideia é revisar esse conjunto básico de proposições, destacando sua essência através de perguntas do tipo, que problema o produto pretende resolver (ou ajudar a resolver) e quem são os possíveis beneficiários do produto.

É importante levar o pesquisador a considerar também a partir de que métricas e contexto ele imagina que seu produto vá beneficiar esses usuários e, principalmente, baseado em que fatos, em que dados, se estabelece essa presunção de utilidade e potencial de utilização. Um item que muita gente esquece.

Ao perceber a necessidade de validar as suposições iniciais, não apenas a partir da própria opinião, a ferramente sugere desde o início, a inserção de algum tipo de estrutura metodológica, de instrumento de coleta de dados, que permita validar essas premissas, o que, em processos de desenvolvimento de produtos, é fundamental, já que tal caminho implica em considerável investimento de tempo e recursos.

Na segunda parte, denominada de Avaliando o Contexto, utilizamos algumas ferramentas bem comuns de planejamento estratégico como a análise de ambiente externo, com a qual vou imaginar condicionantes legais, sociais, econômicos, culturais, tecnológicos, políticos, enfim, fatores que podem impactar o desenvolvimento do meu projeto.

Além disso, sugerimos a aplicação de uma matriz SWOT, acrônimo em inglês para strengths, weaknesses, opportunities e threats, ferramenta também muito conhecida, que propõe ao desenvolvedor uma análise em termos de forças e fraquezas, ou seja, aspectos internos do projeto e do produto, bem como em termos externos, do ambiente onde o desenvolvimento acontece, a partir da avaliação de oportunidades e ameaças. A literatura sobre os conceitos e aplicação da matriz ou análise SWOT é amplamente documentada.

Outro aspecto endereçado nesta etapa é a investigação sobre produtos ou soluções semelhantes que já existam. Não é bom que, num programa profissional, a proposição aconteça apenas, vamos dizer assim , por razões burocráticas, ou seja, vou propor um produto porque é um pré-requisito para concluir minha pós-graduação.

Isso não é desejável, considerando a própria orientação dada pela CAPES para a finalidade essencial de programas desse tipo em relação à formação de recursos humanos.

Num programa profissional, o esforço dos pesquisadores tem orientação para o mercado, para a sociedade, para situações reais e para a solução de problemas efetivos e não imaginários. Começar com uma ideia direcionada apenas ao intuito de “desfilar para os jurados” é completamente errado, ao meu modo de ver.

Entendo que qualquer programa que aceite isso deve urgentemente reler o documento de área da CAPES e rever seus procedimentos já que não entendeu ainda sua real finalidade e razão de existir.

Partindo desse entendimento, fica claro que avaliar o contexto e verificar a existência de produtos semelhantes ou substitutos também deve fazer parte do planejamento estratégico. Tal esforço leva ao passo seguinte.

O problema maior não é a existência de soluções direcionadas à mesma questão. Situação inclusive bem comum. Fundamental é, em caso positivo, pensar em diferenciais que a solução do projeto vai oferecer, a fim de justificar o desenvolvimento de algo que já está disponível. Esse encaminhamento nos levará à desejável busca pela inovação, ainda que incremental (sua versão mais frequente) e não disruptiva, mas essencial para validar a intenção de iniciar uma jornada desse tipo.

Seguindo o roteiro, existe uma parte que pensa especificamente as características do produto sendo o mesmo desenvolvido para o ambiente digital. Que funcionalidades oferece? Se for um app, um site, o que o usuário vai conseguir fazer com ele? Que tecnologias utiliza? Como implementa possibilidades importantes como hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, personalização e outras?

Outro item , de muita relevância e normalmente esquecido, seja o produto digital ou não, é a partir de que métricas de utilização poderei monitorar a adoção e, eventualmente, fazer correções.

Pensar sobre tudo isso vai gerar um aprofundamento no design do produto e também, potencialmente, antecipar eventuais problemas ou dificuldades.

Observe-se que durante todo o percurso proposto pelo roteiro a necessidade de coleta de informações e análise é constante, para o planejamento e para a validação das premissas com as quais o projeto trabalha. Assim, espera-se que todas essas demandas também impactem o desenho metodológico que deverá, desde o início, contemplar e configurar ferramentas adequadas para suprir tais necessidades e, desta forma, contribuir para a clareza, foco e redução da incerteza durante a execução.

Por fim, no quarto item, consideramos aspectos relacionados à avaliação da própria implementação do projeto.

Dentro do período estipulado para a conclusão do curso, mesmo que o cronograma original não contemple ações de acompanhamento da solução, atuando já em forma final no contexto original do problema, é necessário que esse planejamento contenha algum tipo de estratégia de validação e de implementação, bem como ações para potencializar a adoção.

O roteiro é encerrado propondo ao pesquisador a questão de como ele imagina que vai entregar seu produto ao final do ciclo. Totalmente acabado, em versão para teste ou beta ou ainda apenas com algumas funcionalidades implementadas? Mesmo considerando a enorme variabilidade intrínseca à jornada, como em todo planejamento, estabelecer metas, mesmo que atualizáveis no futuro, é uma boa prática que ajuda a tornar mais tangível a execução.

Se você leu este texto até aqui, e o fez por estar interessado em desenvolver um projeto para a seleção de um programa de pós-graduação profissional na área da Comunicação, preciso te dizer que o design do produto não é o único fator de sucesso nesta empreitada, entretanto, pode ser um diferencial importante na busca pela vaga, por alinhar sua proposta ao que se deseja (não eu, mas a CAPES e a sociedade) de uma proposição de pesquisa aplicada, orientada à solução de problemas reais e com potencial de impacto, econômico, social e científico. Vale tentar.

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Márcio Carneiro dos Santos

Professor do programa de Pós em Comunicação Profissional da UFMA. Coordenador do LABCOM. Publicações sobre Design Science, IAG e Jornalismo Digital.